1. Introdução
Esta é a história de uma excursão de autocarro que, tendo-se enganado na saída da autoestrada, depois de muito penar acabou por se esbardalhar por uma ribanceira abaixo, mergulhando a viatura num rio de águas bravas. Ou então, não…
Tudo porque, mesmo tendo alguns passageiros ficado com ligeira sensação do erro e disso dado conta ao restantes, nunca pararam em lado algum para pedir orientação, achando que a intuição ou teimosia os havia de guiar ao destino certo, por mais que a paisagem se fosse degradando à sua volta, dizendo a si próprios que logo fariam o balanço da coisa depois da próxima curva ou topo da colina seguinte, nunca tendo achado que talvez fosse boa ideia retornar ao ponto que antecedeu a fatídica decisão.
Consta igualmente que os viajantes aparentavam desconhecer o trabalho do famoso Charles Pierre Trémaux, que morreu demasiado jovem no séc. XIX, com 23 anos de idade, nunca por ter conduzido uma caleche na direcção de um precipício fatal, uma vez que Trémaux nunca seria apanhado desprevenido na procura por caminhos nos mais intricados dos labirintos, por ser a ele que se deve a concepção de uma estratégia infalível de procura em labirintos, assente em princípios de procura em profundidade primeiro. Ou, se conheciam, apenas se ficaram pela leitura do primeiro par de passos, que indica que se deve tomar uma qualquer aresta que conduza a um vértice ainda não visitado e chegando a esse vértice, se não for o destino, repetir o passo anterior. Faltou-lhes ler a parte do retrocesso, que às vezes é necessário e fundamental para que não se perca o norte e se recupere de más decisões.
De igual modo, acredito que desconheciam a história de Teseu e Ariadne, que mete um Minotauro e seu labirinto no meio destes dois jovens apaixonados, que levou Teseu a degolar o bicho com a ajuda da inteligência formal de Ariadne a quem devemos o seu fio, que ainda hoje nos guia nos mais intrincados labirintos matemáticos. Os viajantes desta história terão partido em viagem sem o fio que lhes permitisse desfazer decisões inconsequentes ou contraproducentes na prossecução dos seus objectivos.
Inclusivamente parece que continuaram avançando desconhecendo um outro algoritmo da autoria de um outro jovem rapaz, de seu nome Edsger Dijkstra, nascido na Holanda no séc. XX, embora hoje tenhamos que dizer que nasceu nos Países Baixos apesar de se chamar Holanda à data do seu nascimento em 1930, que viveu bastantes mais anos que Trémaux, tendo cruzado o milénio. Aos 26 anos, pretendendo obter caminhos mais curtos ou baratos em labirintos, percebeu que a estratégia de Trémaux necessita uma muleta que lhe permita evitar sequências de decisões mais aventureiras, recuando mais cedo a encruzilhadas onde alguma decisão careça de revisão por degradação excessiva do panorama visível ou atingido, face a outras opções ainda não consideradas.
2. Da minha janela do autocarro
Escrevo estas palavras inspirado pelas ideias da procura generalizada em que assenta o algoritmo de Dijkstra, que hoje é a base em torno da qual muita investigação se fez e faz ao ponto de se terem criado ferramentas de apoio à viagem que actuam em tempo real na determinação de caminhos mais curtos para condutores de trotinetes, bicicletas, veículos ligeiros de passageiros e até autocarros ou outros veículos terrestres mais pesadotes.
Ou seja, inspirado pela ideia de que talvez não seja boa ideia ficarmos à espera da próxima colina, curva de estrada ou avaliação quinquenal para invertermos a marcha suicida que encetámos, mas que podemos/devemos estar, pelo menos, atentos a alguns sinais que se vislumbram na paisagem que já percorremos nestes dois últimos anos.
A minha janela do autocarro chama-se unidade curricular de Algoritmos e Estruturas de Dados da LEEC e no que a seguir escrevo apresento o que já se vai vendo. Pode ter sido acaso e vir a revelar-se como não tendo relevância estatística, mas também podem ser um real sinal amarelo sobre os caminhos que trilhamos.
Os dados que possuo e pretendo partilhar dizem exclusivamente respeito à componente de projecto que todos os alunos têm de realizar em grupos de dois. Os anos lectivos para os quais tenho parte da informação que quero partilhar têm início no primeiro semestre de 2016/17 e estendem-se até ao primeiro semestre de 2022/23 num total de 12 semestres de leccionação, dado que até 2020/21 esta UC funcionava em ambos os semestres: forte no primeiro e fraco no segundo. Acresce que até 2020/21 os alunos necessitavam ter obtido aprovação na UC de Programação para se poderem inscrever nesta. A presente reforma removeu esta precedência.
As submissões de projecto em AED fazem-se via site de submissões desde há mais anos, mas só a partir de 2016/17 se criou uma página de apoio às submissões, que colecciona estatísticas sobre todas as últimas submissões de cada grupo e informação sobre as causas de falha dos testes, quando as haja. Por mero acaso, os dados são apresentados ordenados por ordem crescente do tempo gasto no teste mais demorado e por memória usada crescente quando haja empate nos tempos. A equipa docente produz sempre uma implementação cuja submissão inicia o processo de submissões dos alunos. Assim, sabemos em que posição ficou a implementação dos docentes desde essa altura, embora nunca tenha sido nossa preocupação produzir uma implementação excessivamente eficiente, dado que o dimensionamento dos testes a incluir no site se faz a partir dos tempos gastos pela implementação dos docentes. Uma implementação excessivamente eficiente reduziria as chances de sucesso de um número significativo de grupos.
Na tabela abaixo indica-se quantos grupos submeteram projecto na fase final, quantos grupos atingiram a marca máxima e em que lugar ficou a implementação dos docentes. Por uma questão de maior justiça na comparação, apenas se apresentam os dados para o semestre forte em cada ano.
Ano lectivo | Submissões finais | Marca máxima | Ranking dos docentes |
2016/17 | 98 | 17 | 1 |
2017/18 | 89 | 50 | 40 |
2018/19 | 80 | 18 | 2 |
2019/20 | 94 | 38 | 36 |
2020/21 | 83 | 25 | 17 |
2021/22 | 107 | 19 | 1 |
2022/23 | 122 | 18 | 2 |
Tendo já acontecido em 2016/17 e 2018/19 que a implementação dos docentes ficou num dos dois primeiros lugares, pode invocar-se que os dois anos mais recentes podem não possuir relevância alguma, mas também podem ser um aviso do mais que esteja para vir.
Apresentam-se agora os dados das notas médias a projecto nestes 12 semestres.
Ano lectivo | Nota média a projecto | Ano lectivo | Nota média a projecto |
2016/17 (1) | 15,06 | 2019/20 (1) | 14,73 |
2016/17 (2) | 11,48 | 2019/20 (2) | 14,88 |
2017/18 (1) | 15,68 | 2020/21 (1) | 14,03 |
2017/18 (2) | 14,24 | 2020/21 (2) | 12,15 |
2018/19 (1) | 15,28 | 2021/22 (1) | 12,56 |
2018/19 (2) | 14,55 | 2022/23 (1) | 13,04 |
Em semestres de 13 semanas de aulas, por duas vezes a média a projecto ficou abaixo de 14.00 valores, sempre em semestres fracos. Nos dois últimos anos lectivos, com regime de 7 semanas, a média ficou sempre abaixo dos 14.00 valores. Por 6 vezes e sempre em semestres de 13 semanas a média a projecto ficou acima de 14.50 valores.
Estes são indícios que levariam o algoritmo de Dijkstra a procurar por melhores alternativas.
3. Os efeitos do ranking publicado e do maior tempo de maturação
Nos semestres de 13 semanas, a partir do momento em que os alunos passaram a saber em que posição se encontravam face aos restantes colegas, apesar de o corpo docente explicitar que a posição relativa no ranking para os grupos com a marca máxima não possui qualquer influência na nota e ser desencorajada a realização de múltiplas submissões após se ter atingido essa marca, sempre existiu um saudável ambiente competitivo que passava, em primeiro lugar, por tentar ficar à frente da equipa docente e depois, havendo tempo, por tentar subir na tabela publicada.
Isto significa que os grupos que atingiam a marca máxima com alguma folga para o prazo final de submissões, aproveitavam essa folga no sentido de alterar características das suas implementações para as melhorarem. Há nisto um incomensurável valor de aprendizagem.
Em 7 semanas os grupos não podem testar alternativas. Têm de fazer uma escolha e viver com as consequências dessa escolha até ao final, seja ela boa ou menos boa. Perdem-se valiosas oportunidades de aprendizagem por essa razão.
Nos seis semestres anteriores à divulgação do ranking, para os quais possuímos dados, a média a projecto foi inferior a 12.00 valores, excepto num caso em que atingiu os 14.78 valores.
No primeiro semestre do ano lectivo de 2020/21 deu-se a feliz coincidência de ter sido publicado um artigo científico em Agosto de 2020 que apresentava um algoritmo, o mais eficiente até à data, para resolver uma das variantes do projecto. Sem que a equipa docente os informasse deste acontecimento, mais que um dos grupos codificou o algoritmo em causa, tendo obtido vantagem nos tempos obtidos. Também aqui os grupos produziram uma primeira implementação que resolvia os problemas adequadamente e, depois, tiveram tempo para interpretar e descodificar significados num artigo científico (estamos a falar de alunos do segundo ano da LEEC), ao ponto de implementarem as ideias nele apresentadas. Quando isto acontece, deixamos de ser um liceu e somos verdadeiramente uma universidade.
Tenho dúvidas que o mesmo projecto realizado em 7 semanas levaria sequer um grupo a pesquisar literatura científica, encontrar uma proposta de solução, perceber que se adequava ao projecto deles, e passar o texto dessa literatura à prática de uma implementação.
4. São sinais senhor, apenas sinais…
O jornalista Fernando Alves, na TSF, produz uma crónica diária de qualidade extrema sobre acontecimentos apanhados na espuma dos dias a que ele dá um sentido mais consequente e perene. A crónica tem como título ‘‘Sinais’’ e é uma verdadeira lufada de inteligência, cultura, eclectismo e bom gosto, usando a palavra como se fora um artesão de filigrana.
O Fernando Alves há anos que está atento aos sinais. Estaremos nós?
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