A Propósito do Debate Eleitoral Para a Gestão Do IST 2024
Por Luis Magalhães
Fui convidado pelas 4 listas concorrentes a órgãos de gestão do Técnico para moderar o debate que se realizou no dia 28 de Novembro, a que assistiram cerca de 180 pessoas (ap. 70 presencialmente e 110 remotamente) e com mais de 800 visualizações até agora. O debate foi muito preenchido e até teve de ser prolongado para além do previsto.
Para a eventualidade de poder ser necessário estimulá-lo, eu tinha preparado várias questões que felizmente não precisei de usar. Várias das questões que preparei não foram afloradas no debate ou não foram consideradas na perspectiva em que as formulei.
Por isso, partilho agora as minhas principais reflexões, passando de um estilo de perguntas para um, mais comprometido e com frontalidade, de afirmações sobre problemas detectados e de propostas de soluções, na expectativa de que possa contribuir para estimular o debate sobre estes assuntos, e de virem a ser considerados pelos eleitores e pelos futuros eleitos.
1. REFORMA DO ENSINO E AVALIAÇÃO NAS DISCIPLINAS ADOPTADA EM 2021
A mudança radical de 2021, infelizmente com várias características inéditas, sem estudo e benchmarking de boas-práticas adequado com Universidades de Topo nas áreas do Técnico, nem experimentação piloto em pequena escala, teve consequências nefastas previsíveis, mas agora à vista de todos:
Actividade frenética de alunos e professores, e falta de tempo dos alunos para amadurecimento duradouro de conceitos introduzidos nas disciplinas
A intensidade (disciplinas intensivas com 8 horas semanais de contacto) e fragmentação (4 períodos lectivos anuais de 7 semanas, inapropriadamente chamados quarters quando estes nas relativamente poucas Universidades em que são adoptados são usualmente de 10 semanas, e em muitas para haver 5 períodos lectivos) do ensino e da avaliação (excessivos testes em ritmo alucinante, demasiado curtos, simplificados e realizados nas aulas reduzindo o já escasso tempo lectivo) resultou numa actividade frenética (e até doentia) de alunos (permanentemente a correr de preparação de teste para preparação de teste e frequentemente com prejuízo da frequência de aulas) e de professores (com excessiva preparação de enunciados de testes e da sua correcção, e com a pressão do ensino das disciplinas intensivas).
Observação 1: Por exemplo, há uma pequena minoria de Colleges nos EUA com Quarters (de 10 semanas) e tem diminuído (30% em 1970, 13% em 1991, 5% em 2010).
Observação 2: Pôr todos como baratas tontas a correr de avaliação em avaliação ou de aula em aula é desastroso para transmissão ou aquisição de Conhecimento e para desenvolvimento de TALENTO.
O ensino Universitário envolve a introdução dos alunos a conceito novos, muitas vezes complexos, que requerem tempo para absorção, experimentação, reflexão e amadurecimento gradual, de modo a serem consolidados e a não serem esquecidos logo que a avaliação da disciplina termine, o que é dificultado por disciplinas intensivas, períodos lectivos curtos de 7 semanas e testes frequentes.
SOLUÇÃO: Readoptar períodos lectivos semestrais, eliminar ou reduzir as disciplinas intensivas a um pequeno número em que sejam consideradas apropriadas pelo respectivo “Faculty”, reduzir radicalmente a proliferação de testes e não restringir tanto o limite de tempo previsto para cada teste ou exame.
2. “ONE SIZE DOES NOT FIT ALL”
Vários esquemas adoptados no Técnico enfermam de definirem regras gerais universais, simplistas e muitas vezes puramente numericistas, para actividades e finalidades muito diferentes:
- Duração e intensidade lectiva de disciplinas, que pode ser adequada para disciplinas de natureza informativa ou laboratorial, mas não para disciplinas conceptuais.
- Observação 3: Por exemplo, cortou-se cegamente ap. 1/4 ao tempo lectivo de ensino de Análise Matemática (de 15,5=1×4,5+2×5,5 para 12=3×4 h/semana.semestre) o que em programas já densos forçaria a deixar de fora algum assunto, em vez de se ver como assegurar o que é necessário e usual em escolas universitárias de Engenharia e Ciência, com a fatalidade de se deixar de ensinar a todos os alunos as bases de Análise Complexa, tornando o Técnico a única escola de ensino de Engenharia e Ciência do Mundo em que tal acontece.
- Atribuição de recursos docentes ou financiamento, que deve ter em conta a análise concreta das actividades a desempenhar e não ser definida com base em ideias que não têm a ver com essas actividades, em particular não devem ser tratadas de modo diferente actividades semelhantes dos vários departamentos).
- Observação 4: Em vez de fixar métricas apriorísticas para atribuição de recursos, fazê-lo com base nas necessidades e atribuindo recursos semelhantes para actividades semelhantes, em vez da arbitrariedade do proposto DAUA (e até desviando para outros fins recursos atribuídos pelo Estado para o ensino ao considerar outros critérios de distribuição), e de atribuição de recursos para necessidades semelhantes de forma discriminatoriamente diferente, o que além de violar boa gestão e bom senso, até viola princípios constitucionais.
- Avaliação de desempenho, numericista, sem critérios de qualidade, sem interacção avaliadores-avaliados e sem acordo sobre objectivos individuais para o período seguinte).
- Observação 5: A avaliação de desempenho de professores e investigadores, numericista e dirigida a mínimos aceitáveis sem considerar Qualidade de Topo e sem valorização de uns poucos elementos que se destaquem pela Qualidade em vez de números totais ou médias, não tendo em conta diferenciadamente as melhores práticas de cada grande área científica, e não debatida com o avaliado analisando criticamente o passado próximo e acordando objectivos para o futuro imediato apropriados a cada caso, é inútil e contraproducente. Repetidamente aplicada condena uma instituição de Conhecimento à mediocridade. A avaliação de excelência científica é de produção de extremos de Qualidade e não de contribuições de valor mediano ou em grande número.
Observação 6: A produção de artigos de baixa ou média qualidade não deve ser valorizada, mas sim penalizada, porque: polui a informação científica, baixa a Qualidade geral da Organização, gera injustiça de apreciação e desmotivação dos melhores, favorece violações da Ética e fraudes (e.g. coautoria de trabalhos sem para eles contribuir intelectualmente — em coligações, de membros de Grupo ou Lab que dirige, de orientandos, com repetição de publicações sem novas ideias, por cartéis de citações, etc.) - Observação 7: Erro análogo é fixar objectivos de percentagens de aprovação de alunos em disciplinas desligados da aferição do acréscimo de Conhecimento que conseguem.
SOLUÇÃO: Partir dos objectivos e da natureza das actividades para definir os tempos e a intensidade apropriados, a atribuição de recursos e a definição dos processos adequados, e só depois estabelecer os esquemas de funcionamento, e não o contrário.
3. ESTANCAR A PERDA DE ATRACTIVIDADE DO IST RELATIVA À FEUP EM VÁRIOS CURSOS DE ENGENHARIA
Nas 11 Licenciaturas comuns ao IST e à FEUP, nas notas mínimas de acesso (indiscutivelmente o principal indicador de notoriedade pública de cursos universitários) em 2024 a FEUP lidera em 5, o IST em 1 (Ambiente) e empatam (diferença≤5%) em 5 (Mecânica, Materiais, Informática, Minas, Civil). Em 2021, o IST liderava em 5 Licenciaturas comuns, a FEUP em 4 e empatavam em 1. De 2021 para 2024 a diferença da soma das notas mínimas IST–FEUP em Licenciaturas comuns passou de +80,3 para –44,0. Em 2024 a FEUP admitiu mais 13 alunos do que o IST nas Licenciaturas comuns, enquanto em 2020 só mais 6 alunos.
SOLUÇÃO: Estudar com objectividade as razões que levaram a isto (inclusivamente se há alguma influência da FEUP continuar a funcionar em regime semestral ou de opiniões de estudantes transmitidas por redes sociais ou contactos pessoais, ou de uma estratégia de informação mais eficaz da FEUP) e definir uma estratégia de organização interna e comunicação destinada a resolver o problema.
4. QUE TIPO DE ENSINO DE ENGENHARIA SE PRETENDE NO TÉCNICO?
O ensino de cursos de Engenharia pode ser de vários tipos, por exemplo:
(1) Politécnico sem grande formação fundamental (em Matemática, Física, Química, etc.),
(2) para Consultoria e acompanhamento/fiscalização de projectos, com formação fundamental intermédia,
(3) para Engenharia de Concepção e Investigação em Ciências da Engenharia, com forte formação fundamental.
(4) Outro?
SOLUÇÃO: É preciso ter os objectivos claros para definir os requisitos da formação necessária e aferir se os processos adoptados a asseguram. Depois, é necessário instituir processos de BENCHMARKING organizado e regular com uma dezena de Universidades de Topo Europeu e Mundial de referência (o que tem estado ausente).
5. É RAZOÁVEL PENSAR QUE SE PODEM PREPARAR PROFISSIONAIS DE ENGENHARIA EM 3 ANOS?
O erro de políticas públicas no interesse nacional decorrente da legislação que determinou o fim dos Mestrados Integrados de Engenharia, levou à criação de Licenciaturas de Engenharia de 3 anos nas mesmas grandes especialidades dos anteriores Mestrados Integrados. Não parece ser razoável considerar como Licenciados em cada uma dessas especialidades de Engenharia alunos formados em apenas 3 anos, como a própria Ordem dos Engenheiros reconhece.
SOLUÇÃO: Analisar com objectividade este problema, considerar a possibilidade de substituir essa pseudo-formação em especialidades por uma Licenciatura em Fundamentos de Engenharia para prossecução de estudos de Mestrado em especialidades de Engenharia e repensar a oferta diferenciada de Mestrados nas várias áreas de Engenharia, modernizando-a.
6. ATRACÇÃO DE ESTUDANTES INTERNACIONAIS TALENTOSOS
O Técnico nunca se afirmou pela atracção de Talento internacional, e nos últimos anos tem-se verificado a fuga de Talento nacional para o estrangeiro, com destaque para finalistas da LEFT, LMAC, LAero e outras. Esta situação tem de ser rapidamente ultrapassada.
Será que as características da proposta da Licenciatura General Engineering (GENI) no Técnico asseguram a atracção para o 1o ciclo de estudantes internacionais de TALENTO DE TOPO, designadamente maior ou igual ao dos estudantes que o Técnico já recebe?
Além disso, o GENI propõe a oferta de disciplinas mistas de certas áreas fundamentais quando tal não é comum nem aconselhável para formação básica ao nível inicial Universitário, e.g. misturando Matemática e Física.
SOLUÇÃO: Se for concluído que a GENI não está concebida de modo a assegurar a atracção de TALENTO Internacional igual ou superior ao que o Técnico já atrai, e for apenas um expediente para receber alunos estrangeiros que possam pagar propinas relativamente caras, mas mais fracos do que os que o Técnico já recebe, é necessário travar essa oferta e substituí-la por uma adequada à ATRACÇÃO DE TALENTO.
7. “GOVERNANCE”
Uma referência prevalente nos programas das listas é a Participação, Democracia e Transparência, o que assinala um problema, mas é insuficiente para uma Instituição Universitária de Topo Internacional, pois são condições necessárias: Estimular um ambiente em que fervilhe o Confronto de Ideias e o Pensamento Crítico, permanentemente gerido pelo conjunto do “Faculty”.
O esquema de gestão que o Técnico adoptou após entrada em vigor do RJIES é de Directório com Conselhos Consultivos que têm sido preenchidos com Professores co-optados, o que reduz a diversidade de IDEIAS e estimula conformismo. A maioria do “Faculty” foi proletarizada, com a alienação decorrente. Não é Gestão Universitária, mas também não é Empresarial, da Administração Central do Estado, ou Militar, etc.
SOLUÇÃO: Além da melhoria dos processos de informação, transparência e participação, os Estatutos do Técnico têm de ser alterados. A gestão por Directório tem de ser substituída pela gestão com forte e amplo envolvimento do “FACULTY”, como é característico das Universidades de Topo Internacional. Nestas instituições existem muitas e diversas Comissões Permanentes com funções deliberativas específicas e diferenciadas que envolvem muitos e diversos membros do “FACULTY” indicados pelos seus pares nas decisões sobre estratégia e objectivos de ensino, investigação e prestação de serviços à comunidade, organização curricular, definição dos conteúdos das disciplinas pelo “FACULTY” das respectivas áreas, actividades formativas extracurriculares, qualidade das instalações e de vida nos campi, recrutamento de estudantes e de professores e investigadores, desenvolvimento de carreiras de estudantes, professores e investigadores, garantia de princípios Deontológicos e Éticos nas actividades de ensino, investigação e prestação de serviços à comunidade, e outras. Comissões Permanentes diferenciadas para estes fins não são substituíveis por Comissões ad-hoc como as que episodicamente tem havido no IST, e são um mecanismo de operacionalização do amplo envolvimento do “FACULTY” na gestão Universitária, claramente em falta presentemente.
8. OPORTUNIDADES DE CONTRATAÇÃO DE PROFESSORES E INVESTIGADORES
O Técnico esteve mais de uma década, com início por volta de 2005, fechado à contratação externa de novo TALENTO para a carreira docente, criando um fosso geracional grave, o que só foi interrompido em anos recentes, embora com expressão limitada. Numa instituição de Conhecimento nunca se pode interromper o recrutamento anual de novo TALENTO – se os recursos forem muito limitados, assegura-se que pelo menos um é recrutado para cada Departamento. Enfim, o erro foi feito e é bom que se tenha iniciado a sua correcção.
Além disso, substanciais recursos financeiros obtidos para contratação de investigadores foram aplicados em contratos precários através de IPSFL associadas ao Técnico sem ser accionada a Carreira de Investigação pública, o que além da injustiça inerente é um erro institucional grave e inaceitável, e permitiria atenuar o problema identificado no parágrafo precedente.
Accionar a Carreira de Investigação pública no Técnico requer uma regulamentação interna adequada, de modo a definir obrigações e direitos, o envolvimento em actividades de ensino, a inserção nas estruturas departamentais e de investigação, a avaliação de desempenho.
SOLUÇÃO: Definir este regulamento urgentemente e acionar a Carreira de Investigação pública no Técnico, em vez da contratação precária através de IPSFL mesmo depois de um curto período probatório inicial.
9. CONCLUSÃO
É necessário reposicionar o Técnico numa trajectória com objectivos de:
- Atracção de TALENTO DE TOPO de estudantes e professores.
- Melhoria do ENSINO e do DESENVOLVIMENTO DE CARREIRAS, de Professores, Investigadores e estudantes.
- Promoção de produção científica de QUALIDADE DE TOPO,pois é a Excelência e não a média ou grandes números que determina a Qualidade Científica.
- Adopção das MELHORES PRÁTICAS MUNDIAIS DE GESTÃO UNIVERSITÁRIA.
Convém desta vez seguir o lúcido Princípio de Alfredo Bensaúde:
“Não adoptar processos inéditos, preferindo sempre os sancionados pela experiência nos países que nos tomaram a dianteira em assuntos de instrução.”
Notas Histórico-Pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico, Imprensa Nacional, Lisboa, 1922)