Processo de consulta interna do Plano Estratégico do IST 2020-2030 – Ricardo Schiappa
Caros colegas,
Seguem, como pedidos, os meus comentários/contributorelativos ao processo de consulta interna do Plano Estratégico do IST 2020-2030. Focando-se num objetivo extremamente ambicioso, o “top 15”, e com o qual todos só podemos concordar, parece-me que o relatório tem, contudo, algumas falhas a corrigir por forma a que esse objetivo possa de facto vir a ser credível e concretizado.
Nesse sentido, começo por assinalar uma discordância global na forma pouco sustentada em que está escrito — eventualmente consequência de ter sido pedido um relatório a uma consultora que parece não entender todas as facetas da vida universitária ou até alguma falta de conhecimento do contexto universitário internacional (a mais flagrante, talvez, sendo o uso de “cathedratic professor” em inglês, que não me parece ser uma mera gralha…).
Isto pode também ser consequência da consulta pública efetuada: quando o relatório assinala que foram entrevistados 15+ “faculty members” e 15+ “external stakeholders”, isto parece ser outra gralha de tão pequeno que é o número e inevitavelmente tão limitada a visão.
Por exemplo, existem muitas ideias soltas sobre o objectivo “top 15” mas nenhuma devidamente sustentada, fundamentada, ou mesmo credível à luz do que é escrito noutras partes. Porque este é um objectivo alcançável? Porque estas são as medidas para o concretizar? Parece-me necessário reflectir sobre a credibilidade e visão do Plano Estratégico, e re-escrever devidamente.
Mas, mais em particular, tenho duas discordâncias profundas no conteúdo (e que, a meu ver, são questões que devem ser completamente re-equacionadas).
1 – Cada vez que se fala em investigação, enquadra-se como “research focused on real world problems” (chegando-se mesmo ao limite de sugerir um “re-focar” da investigação em necessidades industriais), com o qual não só estou em profundo desacordo, como não parece fazer qualquer sentido em local nenhum do mundo há mais de 100 anos. É quase como se quem escreveu o relatório não conheça o texto fundamental de Abraham Flexner, “The Usefulness of Useless Knowledge”, por detrás do que é possivelmente a mais famosa e importante instituição de investigação científica a nível mundial dos últimos 90 anos! Recomendo vivamente a leitura:https://www.ias.edu/sites/default/files/library/UsefulnessHarpers.pdf. Imagino que o próprio Flexner ficaria chocado ao ler no presente Plano Estratégico que ciência básica ou fundamental não é uma “globally relevant and impactful research area” … Ou, pior ainda, que esta deve ser focada em “technological challenges” — o que já não fazia sentido em 1930. Parece-me que o que está escrito no que diz respeito à investigação científica deveria ser completamente re-equacionado e devidamente re-escrito.
2 – O foco nas instalações é o de um claro manter do “status quo” com os actuais “multipolar campi”, o qual também estou em profundo desacordo. Logo em primeiro lugar porque a construção de um novo campus é uma inevitabilidade futura — adiar a mesma é simplesmente uma prova de incapacidade e falta de visão estratégica da nossa presente geração. Mas, talvez até mais importante, porque esta visão de manter o “status quo” vem em completo contraste com o que têm sido as realidades nacionais e internacionais nesse sentido. Noto ainda que os “pontos negativos” da “unipolar strategy” na página 53 me parecem estar todos incorretos, em particular também à luz do que têm sido estas mesmas realidades nacionais (a migração da escola Nova SBE de Campolide para Carcavelos — que ocorreu sem qualquer tipo de interrupção ou distúrbios da vida académica—, e a migração do Hospital CUF Infante Santo para o Hospital CUF Tejo — muito pesado em equipamento, e que também ocorreu sem qualquer tipo de interrupção ou distúrbio significativo no atendimento e serviço ao doente —, e que são dois exemplos que conheço particularmente bem e de perto) e realidades internacionais (por exemplo a construção do novo campus Paris-Saclay, que é um outro exemplo que também conheço de perto). Vejamos, como referi, em nenhum destes casos nacionais aconteceram disrupções operacionais. Mas, pior, a questão do investimento nem sequer é devidamente analisada. Recomendo vivamente a consulta da campanha de angariação de fundos feita pela escola Nova SBE, documentada aqui:
https://www.novasbe.unl.pt/en/the-campaignhttps://novacampaign.pt
Bastaria conhecer esta realidade para entender as falhas no que se escreve sobre a “unipolar strategy” no Plano Estratégico. Mas este relatório ficaainda menos sustentado quando para o IST está já planeado orçamento para infra-estruturas que é o dobro do que foi o orçamento total do campus de Carcavelos da Nova SBE (e isto sem sequer contar com a venda dos 3 campi actuais do Técnico) — pelo que toda a posição de dificuldade orçamental parece não ser muito credível.
Na realidade o próprio objectivo “top 15” parece ainda menos sustentado quando observamos a realidade internacional no que diz respeito a novos campi: no ranking de Shangai deste ano, a primeira universidade da Europa continental é … Paris-Saclay — que como já referi está precisamente em plena construção de um novo (e espetacular — recomendo uma visita à obra em curso) campus! Acresce a tudo isto que todas as instalações dos 3 campis IST estão em estado deteriorado ou duvidoso e de extrema ineficiência energética e urbanística (só quem nunca foi ao Tagus o pode classificar como “moderno”), e que a própria promoção do bem-estar desportivo de alunos e docentes (que é mencionada a dada altura, e com a qual estou em completo acordo) fica difícil de alcançar fora de um contexto de um novo campus, com instalações desportivas novas, diversas, e multi-facetadas.
Em suma, o Plano Estratégico parece cheio de “wishful thinking” relativo ao grandioso e desejado objectivo “top 15”, mas todo pouco sustentado ou credível. Falha no que me parecem ser questões fundamentais (a não compreensão de todas as vertentes da investigação cientifica; e a quase alienação no que respeita à mais importante opção estratégica de futuro — a construção de um novo campus). Ironicamente, já as opções estratégicas mais promissoras (talvez a mais relevante a que diz respeito à promoção do mérito em carreiras motivantes e compensadoras para o corpo docente) parecem ser copiadas do que é o procedimento actual standard da própria escola Nova SBE, mas sem contudo entender o papel chave que o campus de Carcavelos teve no processo.
Seguir, ao invés de liderar, não é certamente o que eu pessoalmente esperaria de um Plano Estratégico para os próximos 10 anos do IST.
Com os melhores cumprimentos,
Ricardo Schiappa